Os muçulmanos têm uma elevada natalidade?

Muitas pessoas (mesmo ontem encontrei algumas numa rede social) estão convencidas que os países muçulmanos têm uma elevada natalidade; isso, não sendo totalmente falso (quase todos os países muçulmanos têm realmente uma natalidade maior que Portugal), é mais falso que verdadeiro: já muitos países muçulmanos têm uma natalidade inferior a 2 filhos por mulher (Indonésia, Turquia, Irão, Arábia Saudita e outras monarquias do Golfo, Malásia, Tunísia, etc.), e outros uma natalidade entre 2 e 3 (Argélia, Jordânia, Iémen, Egipto, Síria, Marrocos, Bangladesh, etc.), ou seja, ainda crescente, mas já nada de especial (3 filhos teve a minha mãe e muitas mulheres portuguesas da sua geração). Há efetivamente alguns países muçulmanos com elevada natalidade, como o Afeganistão, o Iraque ou os territórios palestinianos, mas no geral os países muçulmanos até parecem ter menos filhos do que países não-muçulmanos com níveis de desenvolvimento similar.

Isto para não falarmos daqueles que (tendo tido provavelmente negativa a Matemática e a Biologia na escola) dizem “cada homem pode ter quatro mulheres, se cada mulher tiver quatro filhos, é logo 16 filhos, numa só geração; é um crescimento imparável”; atendendo que a quantidade de homens e mulheres entre os seres humanos (e penso que em quase todos os mamíferos) é similar, alguns homens terem várias mulheres significa sobretudo outros homens não terem nenhuma, sem grandes efeitos sobre os níveis gerais de natalidade (o raciocínio de que a poligamia masculina geraria alto crescimento demográfico parece ter implicita a ideia de que faria mulheres adicionais materializarem-se como por milagre – húris, talvez?)

Eu diria que, hoje em dia, se há um sector da população mundial com uma natalidade significativa, é sobretudo a África subsaariana, não tanto o mundo muçulmano (embora haja alguma interseção entre estes dois conjuntos).

De onde vem a ideia de que os muçulmanos terão uma natalidade bastante elevada? Por um lado, isso é capaz de ter sido mesmo verdade há umas décadas atrás (o que acaba por se refletir nas taxas de natalidade atuais – se há 30 anos num país houvesse 4 ou 5 filhos por mulher, mesmo que agora sejam só dois esse país continuará por uns tempos a ter uma elevada natalidade porque tem mais mulheres em idade fértil do que um que tenha feito a transição demográfica mais cedo); por outro, suspeito que é muito o reflexo da ideia, bastante popular tanto entre progressistas como conservadores, de que a emancipação feminina é a causa fundamental da redução da natalidade – logo, sendo, no geral, as mulheres bastantes restringidas no mundo muçulmano, assume-se que terão muitos filhos; mas pelos vistos a relação não é assim tão absoluta (aliás, há outro contra-exemplo: no mundo desenvolvido, as mais baixas taxas de fertilidade até são em países relativamente tradicionalistas, como o Japão ou a Coreia do Sul).

1 thoughts on “Os muçulmanos têm uma elevada natalidade?

Deixe um comentário