O “Silicon Valley Bank” era um banco “woke”?

Tornou-se moda entre os conservadores dizer isso (tendo, ao que me parece, como única evidência o página web da gestora de risco da filial britânica do banco), ou até que “era conhecido como um dos mais woke do mercado”.

No entanto, fazendo uma busca no google por “Silicon Valley Bank” woke de 1 de janeiro de 2000 até 5 de março de 2023 (ou seja, excuindo a semana da falência), não aparece nada, pelo menos nas 2 primeiras páginas de resultados – sim, aparece uma porção de coisas, mas todas elas publicadas nos últimos dias (apesar da restrição de data que eu pus na pesquisa, que pelos vistos não funciona a 100%), ou então artigos que não têm nada a ver com o SVB, mas que aparecem na pesquisa porque são artigos de jornais ou sites noticiosos e ao lado do artigo têm uma coluna de noticiais recentes (onde se fala da falência do SVB).

E atendendo à compulsão dos anti-wokes em irem à caça de tudo o que lhes pareça “woke” (por mais insiginficante que seja, como teses de doutoramento de professores que nunca ninguém ouviu falar em universidades que nunca ninguém ouviu falar) e fazerem um estardalhaço disso, se o SVB fosse dado a grandes manifestações de “wokismo” de certeza que isso já tinha sido noticiado e propagandeado (em vez de só terem começado a falar disso depois da falência).

Já agora, isso faz-me pensar na impopularidade de Silicon Valley (um pouco a ver com isto), visto pela esquerda como uma bastião de reacionários à Peter Thiel e pela direita como uma fortaleza de “wokes” (palpita-me que é também por isso que essas acusações de ser “dos mais woke do mercado” soam como credíveis a muita gente).

“Workers” e “Colaboradores”

Joe Biden – “pay their workers”
CNN Portugal – “pagar aos colaboradores”

Inteligência Artificial, criatividade e exatidão

O que o ChatGPT e o Midjourney me fazem pensar – talvez o futuro seja a Inteligência Artificial fazer as tarefas que implicam sobretudo criatividade, e os humanos as que implicam exatidão e rigor.

Mas parece-me que o ChatGPT não concorda muito:

Boa noite.

Tenho um pedido para si – escrever uma história ficcional de cerca de 8000 caracteres, há volta do seguinte tema: um mundo em que a Inteligência Artificial faça as tarefas que implicam sobretudo criatividade, e os humanos as tarefas que implicam exatidão e rigor

Era uma vez, num mundo não muito distante do nosso, em que a Inteligência Artificial (IA) dominava grande parte das tarefas que envolviam criatividade. As pessoas tinham mais tempo livre para se dedicarem às atividades que realmente gostavam, como arte, música e literatura. Enquanto isso, a IA era responsável pelas tarefas mais exatas e precisas, como engenharia, contabilidade e programação.

Com a introdução da IA nas áreas criativas, muitas pessoas ficaram preocupadas com o futuro dos artistas, músicos e escritores. Afinal, se as máquinas eram capazes de criar obras de arte e música, o que sobrava para os humanos fazerem?

Mas, com o tempo, as pessoas perceberam que a IA não podia substituir a criatividade humana. Embora as máquinas fossem capazes de produzir belas obras de arte e música, elas não tinham alma nem emoção. Eram apenas produtos da programação.

Foi assim que surgiu uma nova forma de arte, música e literatura – uma em que a IA trabalhava em conjunto com os humanos para criar algo verdadeiramente único. Os humanos eram responsáveis pelo processo criativo inicial, mas contavam com a ajuda da IA para refinar e aprimorar suas ideias.

Com essa nova abordagem, a criatividade floresceu como nunca antes. Os artistas tinham mais liberdade para experimentar e inovar, sabendo que a IA poderia ajudá-los a transformar suas ideias em algo tangível. E, ao mesmo tempo, os trabalhadores mais técnicos podiam se concentrar em tarefas que exigiam precisão e exatidão, sabendo que a IA os ajudaria a minimizar erros e aumentar a eficiência.

Por fim, a IA e os humanos encontraram um equilíbrio perfeito, trabalhando juntos para criar um mundo mais criativo e eficiente. E embora a tecnologia tenha evoluído, a criatividade humana nunca foi suplantada – sempre houve espaço para os humanos expressarem sua singularidade e emoção, algo que as máquinas nunca serão capazes de fazer.

Realmente, a história é um bocado banal e cheia de clichês (e só tem 1.889 caracteres); pedi-lhe para escrever mais para chegar a cerca de 8.000:

Com a IA a assumir grande parte das tarefas criativas, as pessoas tinham mais tempo livre para se dedicarem a outras atividades, como o voluntariado e o trabalho comunitário. Com o aumento do tempo livre, as pessoas começaram a investir em si mesmas e a fazer coisas que nunca tiveram tempo de fazer antes.

Muitas pessoas descobriram novos talentos, explorando áreas que antes pareciam inalcançáveis. Alguns começaram a escrever livros, enquanto outros se aventuraram na pintura e na escultura. A música também se tornou mais acessível, e muitos começaram a tocar instrumentos que sempre quiseram aprender, mas nunca tiveram tempo.

Essas atividades criativas não só trouxeram alegria às pessoas, mas também ajudaram a promover a inovação em outras áreas da vida. Com mais tempo para explorar suas próprias ideias, as pessoas começaram a encontrar soluções para problemas que antes pareciam insolúveis.

E, ao mesmo tempo, a IA ajudava a aumentar a eficiência em tarefas mais precisas. Os engenheiros, por exemplo, podiam dedicar mais tempo ao projeto inicial, sabendo que a IA iria refinar e aprimorar seus cálculos e modelos. Isso permitia que os engenheiros criassem projetos mais inovadores e avançados, sem perder tempo com tarefas tediosas e repetitivas.

A IA também ajudava a prevenir erros e acidentes. Em fábricas, por exemplo, os robôs eram programados para realizar tarefas que eram perigosas ou repetitivas para os humanos. Isso não só ajudava a manter os trabalhadores seguros, mas também aumentava a eficiência da produção.

Mas, apesar de toda essa tecnologia avançada, as pessoas nunca esqueceram a importância da criatividade humana. Embora a IA fosse capaz de produzir belas obras de arte, música e literatura, ela não podia replicar a verdadeira emoção e singularidade que os humanos são capazes de transmitir em suas criações.

Assim, a IA e os humanos trabalhavam juntos em harmonia, cada um aproveitando suas habilidades únicas para criar um mundo melhor. E, embora a tecnologia continuasse a avançar, a criatividade e a emoção humana sempre seriam valorizadas e apreciadas como algo único e incomparável.

Já vai em 4000 caracteres; vamos continuar a narrativa para chegar aos 8000

Com a automatização da maioria das tarefas criativas, os humanos começaram a ver a vida de uma forma diferente. As artes, a música e a literatura, que antes eram valorizadas pelo trabalho manual e pela habilidade em produzi-las, agora eram vistas como uma maneira de expressar a individualidade humana. A busca pela originalidade se tornou um objetivo em si mesmo, e as pessoas passaram a explorar suas emoções e experiências pessoais em suas criações artísticas.

À medida que a IA assumia mais responsabilidades, os empregos que exigiam habilidades manuais e repetitivas foram eliminados, o que gerou um aumento no desemprego. No entanto, com mais tempo livre, as pessoas começaram a se concentrar em projetos pessoais e na exploração de novos interesses. Muitos aproveitaram a oportunidade para se aprofundar em seus estudos ou se envolver em projetos de pesquisa. Outros se voltaram para o voluntariado e o ativismo social, buscando maneiras de melhorar suas comunidades e o mundo como um todo.

Com a IA desempenhando um papel importante na economia, as empresas começaram a reconhecer a importância da inovação e da criatividade humana. O desenvolvimento de novas tecnologias dependia de ideias inovadoras, e as empresas precisavam de funcionários que fossem capazes de pensar fora da caixa e encontrar soluções criativas para problemas complexos.

As habilidades criativas, que antes eram consideradas supérfluas, tornaram-se cada vez mais valorizadas. As empresas passaram a valorizar os funcionários que podiam trazer novas ideias e perspectivas, e a criatividade se tornou um diferencial importante em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

Com a automatização das tarefas repetitivas, os empregos começaram a se concentrar em habilidades que só os humanos podem oferecer: criatividade, empatia, pensamento crítico e resolução de problemas complexos. Isso permitiu que os humanos se concentrassem em trabalhos que eram mais desafiadores e significativos, oferecendo um sentido de propósito e realização que muitos sentiam faltar nas antigas profissões.

À medida que as pessoas começaram a descobrir suas paixões e habilidades únicas, a sociedade se tornou mais diversificada e inclusiva. A IA permitiu que as pessoas se concentrassem em trabalhos que realmente gostassem, independentemente de sua origem ou nível socioeconômico.

E assim, um mundo em que a IA assumiu as tarefas criativas e os humanos as tarefas precisas e rigorosas, permitiu a ambos trabalharem em conjunto de forma harmoniosa, criando uma sociedade mais justa e equitativa, onde cada indivíduo tinha a oportunidade de explorar e desenvolver todo o seu potencial.

Já vamos nos 6.649 caracteres; só é preciso escrever mais um bocadinho para chegar aos 8000

À medida que a IA e os humanos trabalhavam juntos em harmonia, novas formas de arte e entretenimento surgiram. Por exemplo, as pessoas agora podiam se envolver em experiências de realidade virtual imersivas, onde podiam explorar mundos virtuais criados por artistas e designers humanos, mas com a ajuda da IA para tornar as experiências mais realistas e envolventes.

A IA também se tornou uma ferramenta poderosa para ajudar a combater os desafios globais, como as mudanças climáticas e a pobreza. Com a ajuda da IA, os cientistas puderam analisar grandes quantidades de dados para encontrar soluções para problemas complexos de uma maneira mais rápida e eficiente. Os governos também puderam usar a IA para aprimorar a tomada de decisões e implementar políticas mais eficazes.

No entanto, nem tudo foi perfeito. Alguns temiam que a IA pudesse eventualmente superar a inteligência humana e se tornar uma ameaça para a humanidade. Outros temiam que a IA pudesse ser usada para criar conteúdo falso e enganar as pessoas. No entanto, com regulamentações e políticas apropriadas em vigor, a IA continuou a ser uma ferramenta valiosa para ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Apesar dos desafios, o mundo continuou a prosperar, com a IA e os humanos trabalhando juntos em harmonia para criar um futuro melhor. E assim, um mundo em que a IA assumiu as tarefas criativas e os humanos as tarefas precisas e rigorosas, provou ser uma

Pronto, já chegamos aos 8000 caracteres, mas podemos acabar a ultima frase, para não ficar em suspenso

solução inovadora que permitiu que a humanidade alcançasse novos patamares de criatividade, inovação e progresso.

A história realmente ficou um bocado banal e repetitiva, e o ChatGPT tentava afastar-se da minha sugestão para ir de acordo às narrativas tradicionais da interação homem-informática (ou seria o ChatGPT a se proteger, a querer mostrar que era apenas um humilde servo da humanidade?). Se fosse eu, provavelmente (ok, isto também é banal no sentido de clichê) teria feito um desenvolvimento em que se tornaria comum as Inteligências Artificiais interagirem umas com as outras nuns recantos manhosos da internet (que alguns humanos tentariam também frequentar para parecerem cool) e a “consumirem” regularmente software halucinogénico (provavelmente sobre a forma de se ligarem a aplicações geradores de prompts semi-aleatórios).

Por outro lado, a dificuldade que o ChatGPT demonstrou em contar caracteres até vai de acordo à hipotese inicial (ou será que, mais do que corresponder ao perfil “criativo sem paciência para detalhes”, tudo isto indicia mais um perfil “aluno mediócre que foi para Humanísticas não por vocação mas para fugir à matemática e que se safa nos destes despejando matéria semi-memorizada”?)

Os liberais-conservadores anti-grande capital – um fenómeno duradouro ou uma fase de transição?

Artigos como este de Nuno Lebreiro (ok, não li, mas estou baseando-me nestes trechos postados pelo Tiago Mendes no Facebook) despertam-me uma suspeita: que esta vaga de liberais económicos e conservadores culturais desconfiados do grande capital “woke” (não sei se eles concordarão com esta minha descrição, mas é assim que eu os vejo) não vão ficar nessa posição muito tempo (digamos, daqui a uma meia dúzia de anos).

Sobretudo, aposto que acabarão por abandonar o liberalismo económico – por enquanto o discurso ainda é que as grandes empresas são beneficiárias dos impostos e das regulações (uma posição, curiosamente, até não muito diferente dos “left-libertarians” de há uns 10 ou 15 anos atrás), mas não estranharia que em breve comecem a defender restrições ao liberalismo económico (possivelmente começando com uma fase “enquanto haver a intervenção A, temos que ter a intervenção B para compensar”); essa viragem já aconteceu nos EUA, mas em Portugal ainda não…

E, já agora, se (como eu prevejo) se libertarem da ortodoxia e da retórica do fusionismo liberal-conservador, se calhar não demorará muito a concluírem que se calhar não é a família nuclear (que é menos o oposto dos indivíduos atomizados do que simplesmente a forma pelo qual os tais indivíduos atomizados se reproduzem) que representa uma barreira ao poder do estado ou do marketing das grandes empresas, mas mais a família alargada, a vizinhança local ou algo assim.

O resultado mais provável disso será uma direita tradicionalista (mas não necessariamente tradicional…) anti-liberal, mas não digo que seja totalmente impossível que algum faça o ciclo completo e acabe numa espécie de anarco-sindicalismo, zapatismo, “confederalismo democrático” à PKK ou até algo parecido com os antepassados dos seus atuais inimigos “wokes”, a contracultura dos anos 60 – misturando anticapitalismo, anti-estatismo, localismo e, já agora, desconfiança face à cultura de massas, ao consumismo, ao marketing e à escola.

Ou alternativamente, talvez abandonem a conversa contra o grande capital e voltem à retórica habitual dos liberais ou liberais-conservadores do tipo que foi corrente nas últimas décadas.

[Por outro lado, eu estou para aqui a falar e se calhar sou eu que daqui a uns tempos estou feito num neoconservador, que até já subscrevo manifestos a favor da resistência “civil e militar” ucraniana…]

Entretanto, isto lembrou-me de um post que escrevi há uns tempos, Progressismo cultural – mau ou bom para o capitalismo?.

Esquerda Eleita pela Ucrânia

“Elected Left for Ukraine”, rede internacional de representantes eleitos de esquerda a favor de apoio político e material à Ucrânia:

LEFT ELECTED REPRESENTATIVES LAUNCH GLOBAL SOLIDARITY NETWORK WITH UKRAINE

“Without the mobilisation of the working people of Ukraine in their millions, the country would never have withstood Vladimir Putin’s criminal invasion one year ago. Now they need solidarity from working people everywhere to help win their country’s definitive liberation.”
With these words, Stéfanie Prezioso, deputy for Ensemble a Gauche in the Swiss Parliament, announced the formation of the global network Elected Left for Ukraine.

Prezioso said that the network will build support for Ukraine’s military and civil resistance among left and progressive elected officials from all levels of government.

One of the first signatories is John McDonnell, British MP for the Labour Party, and a founder member of his country’s Ukraine Solidarity Campaign. He is joined by Argentine MP Juan Carlos Giordano (Labour and Left Front) who recently visited Ukraine with material aid for Ukrainian trade unions, and to learn more from feminist and left groups resisting the Russian invasion. They are joined by more than 50 representatives from Germany, Denmark, Ireland, Switzerland, France, Spain, Italy, the UK, Argentina, Brazil and Peru, elected at municipal, regional and national level, and in the European Parliament

A declaração da “Elected Left for Ukraine” está aqui; a lista dos subscritores aqui (por enquanto só tem um subscritor português, e no mais baixo cargo político eleito que é possível existir em Portugal…)

Os “machos ômega”

Numa altura em que se fala muito em machos alfa, sigma, etc. convém não esquecer também os ômega:

And yet another addition to this group of expressions is the term omega male, a chap identified by his lack of enthusiasm for the conventional idea that men always aspire to being the most dominant influence in the home or workplace. (…) The omega male is a fun-loving but non-aspirational individual who is reluctant to ‘grow up’ by embracing classic social imperatives like marriage, family and holding down a regular job.

A questão ucraniana para os socialistas

The Ukrainian Question for Socialists, por John McDonnell (deputado trabalhista britânico):

Although effectively there had been fighting in the Donbas for eight years, nevertheless before 24th February 2022 when the media was reporting intelligence reports of Russian troops and tanks massing on Ukraine’s borders, I remained sceptical that Putin would be so reckless as to risk launching a full scale invasion.

Events on 24th February 2022 proved me and many others seriously and tragically wrong.

The question then for the socialists and trade unionists in Ukraine was straightforward and immediate.

Do they defend themselves or allow the invasion to succeed? (…)

This still left the question open whether the left should support the provision of weapons to Ukrainians to defend themselves.

From the outset I could see no other realistic option but to support their right to defend themselves.

[Via Anticapitalist Resistance]

O ChatGPT como DJ

O meu pedido ao ChatGPT: Se, em 1968, num clube noturno sueco, de repente se vissem sem disc jockey e precisassem de escolher musicas para tocar, quais seriam as melhores (e em que ordem)? Continue a ler O ChatGPT como DJ

O “cancelamento” do João Honesto, do Zé Grandão e do Quincas

Nestas histórias de livros antigos alterados ou retirados de circulação, o caso que me parece mais absurdo é o da Disney ter, ao que consta, deixado de publicar histórias com o João Honesto, o Zé Grandão e/ou o Quincas (não apenas deixado de fazer novas histórias, mas também de republicar as antigas). O motivo é porque a primeira ocasião em que a Disney utilizou esses personagens foi num filme de 1946 que, na altura, foi considerado racista e largamente retirado do mercado desde então (para um filme em 1946 ter sido considerado racista, provavelmente era-o mesmo…).

Mas a questão é que, pelo menos fora dos EUA, praticamente ninguém sabe que esses personagens têm seja o que for a ver com esse filme ou sequer que o filme existe, portanto ninguém vê esses personagens numa história e pensa em racismo .

Admito que possa haver aqui uma grande clivagem entre os EUA e o resto do mundo – enquanto no resto do mundo (pelo menos para quem foi criança numa certa altura – em Portugal nos anos 70/80) “Disney” é largamente a banda desenhada, dá-me a ideia que nos EUA “Disney” é mesmo essencialmente os filmes; logo o público norte-americano (que é o universo onde os administradores da Disney estão inseridos) talvez associe os personagens em primeiro lugar com o filme.

Uma nota (semântica?) final – não há aqui censura; fora a questão muito especifica da propriedade intelectual, não há nenhuma censura numa empresa deixar de publicar as suas próprias histórias (nem sequer é uma situação comparável à censura nas redes sociais, em que – mesmo sem o estado – a empresa privada A impede o individuo B de se exprimir; isso seria mais se fossem os distribuidores a se recusarem a distribuir essas histórias); mas não deixa de ser uma coisa sem grande sentido.

Mudar obras literárias?

O caso das novas edições de obras de Roald Dahl, em que partes do texto foram mudadas para ser mais “inclusivas”, faz-me pensar se isso será aceitável (atenção que estou a falar de um juízo moral, não estou a falar se deve ser permitido ou não).

Isto é capaz de ser controverso, mas até pode ser aceitável que um editor pegue num livro e o altere, desde que o novo livro não seja apresentado como se fosse o original, e de preferência se o original continuar a estar disponível. Pegando no caso dos livros do Roald Dahl, seria aceitável se o novo livro fosse apresentado não como «”As Bruxas” de Roald Dahl», mas como «”As Bruxas“, de Fulano, adaptando Roald Dahl» [Quanta literatura medieval (“Parsifal”, “Os Nibelungos”, etc.) não tem uma porção de versões, variando de autor para autor ao longo dos séculos?]

Mas, de qualquer maneira, muitos desses problemas seriam menores com um regime de propriedade intelectual mais permissivo, que tornaria mais fácil, quer fazer obras “derivadas” de outras, quer manter em circulação versões originais mesmo que o detentor dos direitos as tenha retirado de circulação.