A orfandade dos chamados “machos beta/ômega” na “guerra cultural”

De qualquer forma, esta questão fez-me lembrar um assunto em que tenho pensado há algum tempo – a “orfandande” de grande parte dos “machos beta” ou “ômega” na “guerra cultural”.

Isto é, com os conservadores a cada vez mais enfatizarem o “macho-alfismo” e a terem como linha de ataque ao feminismo a conversa “nunca vi uma feminista a pedir quotas para [alguma profissão em que se calhar mesmo muitos desses conservadores rebentariam em poucos dias]”, e do outro os progressistas a enfatizarem o “homem sensível”, e cada vez mais a usarem “neckbeard”, “tech bro”, “incel” ou “fedora” como termo depreciativo (como os conservadores usavam “egghead”, “pointy-headed intelectual”, etc.), acaba por não haver muito lugar para o tipo “homem fã de matemática/filosofia/ciência/computadores/jogos de estratégia” (largamente a combinação introversão+intuição+pensamento, para quem levar a sério os modelos jungianos), visto pelos primeiros como pouco masculino devido a ser pouco agressivo/dominador/risk-taker, e pelos segundo como demasiado masculino (talvez ainda mais “tóxico” que os “alfa”!) por ser pouco “emocional” (mesmo que provavelmente a maior parte desses homens acabem por alinhar na equipa progressista).

Se calhar ainda é por isso que nos EUA tanto os Republicanos como os Democratas andam sempre a dizer mal de Sillicon Valley e da secção “Protection for private blocking and screening of offensive material”.

Alguns poderão questionar a minha suspeita que “a maior parte desses homens acabem por alinhar na equipa progressista”, mas penso que é o caso (ainda que por vezes fique um bocado obscurecido por muita gente das “direitas lunáticas” – tanto ultraliberais como ultraconservadores –  vir também destes lados – ver post anterior).

Além da tal sondagem feita aos leitores de um blogue, vários estudos parecem apontar para que o tal tipo “introversão+intuição+pensamento” tenda mais para a esquerda do que para a direita:

– Não encontro muitos estudos relacionando o MBTI (o mais popular dos modelos jungianos da personalidade) com tendências políticas (provavelmente porque a comunidade científica não leva o MBTI a sério…), mas o que encontrei, The Personality of Policy Preferences: Analyzingthe Relationship between Myers-Briggs PersonalityTypes and Political Views [PDF], as associações que descobriu foi entre “extroversão” e talvez “sensação” com conservadorismo, e “introversão” e talvez “intuição” com “liberalismo” (isto é, “esquerda” em American English), o que parece ir um pouco na direção que eu previ

– Mas para o modelo dos “5 grandes fatores”, que esse sim é popular entre os estudos científicos, há carradas de pesquisas feitas sobre a ligação com a política; o tipo de pessoa que estou pensando creio que, em linguagem “5 grandes”, será o equivalente a “baixa extroversão, alta abertura, baixa agradabilidade”. Segundo o estudo que cito aqui, “abertura” alta tende a estar relacionado com esquerda na economia e nas causas fraturantes, e “extroversão” baixa e “agradabilidade” alta tende a estar relacionado com esquerda na economia; assim é de esperar que o tipo “baixa extroversão, alta abertura, baixa agradabilidade” seja de esquerda nas causas fraturantes (por causa da “abertura”) e indeterminado na economia (com a “abertura” alta e “extroversão” baixa a puxar para a esquerda e “agradabilidade” baixa a puxar para a direita). Mas, de qualquer maneira, mesmo que não sejam de esquerda, é provável que muitos sejam aquilo a que os conservadores chamam “bloquistas que não querem pagar impostos” tipo Iniciativa Liberal.

– Outro estudo usando os “5 grandes”, The Big Five Personality Traits in the Political Arena, tem resultados parecidos: tanto “abertura” alta como “extroversão” baixa estão associadas com esquerda na economia e nas causas fraturantes, e “agradabiliade” baixa com ser de esquerda nas causas fraturantes e direita na economia; ou seja, de novo é de esperar que quem tenha “baixa extroversão, alta abertura, baixa agradabilidade” seja de esquerda nas causas fraturantes e indeterminado na economia (exatamente como no caso anterior, com a a “abertura” alta e “extroversão” baixa a puxar para a esquerda e “agradabilidade” baixa a puxar para a direita).

– Sobre as eleições britânicas de 2015, um estudo sobre o assunto parece associar esse tipo de personalidade sobretudo aos eleitores dos Verdes e em parte aos dos Liberais Democratas; mas atenção que se retirarmos a parte da “abertura” alta, passando a englobar o conjunto das pessoas introvertidas e socialmente problemáticas (sem terem que ter necessariamente os interesses intelectuais associados ao fator “abertura”), então aí os do UKIP também entram no grupo, e passa a ser um perfil comum a toda a gente que não votou Conservador nem Trabalhista.

[Isto é a transposição de uma conversa no Facebook que já não consigo econtrar mas que tirei apontamentos na altura]

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